16 de jul. de 2007

DESIGN DE CADEIRAS NO SÉCULO XX




Design de Cadeiras no Seculo XX


Para Richard Valansi






Devemos à Inglaterra não apenas a Revolução Industrial, mas também as primeiras atitudes críticas em relação aos artigos de deplorável qualidade saídos da produção em série das máquinas da era vitoriana. Portanto, é sem dúvida em William Morris (1834-1896), o fundador em meados do século XIX do movimento Arts and Crafts, fortemente inspirado pelos ideais estéticos, nostálgicos e acirradamente críticos de John Ruskin (1819-1900), assim como por A. Pugin (1802-52), que devemos buscar as origens das preocupações em torno do design moderno.

Embora a tentativa de substituir os artigos produzidos pelas máquinas, por outros de fino acabamento saídos das oficinas de atividades artesanais polivalentes, não houvesse tornado possível a produção de artigos de consumo popular, a experiência de Morris haveria de lançar as sementes da seqüência de iniciativas do início do século subsequente, tais como a Wiener Werkstätte, a Werkbund e, por fim, a Bauhaus. Alguns dos princípios-lema de Morris, tais como máximo de utilidade funcional acoplada a um imperativo de qualidade e de conforto haveriam de permanecer norteadores. As sementes lançadas pela idéia de escolas e corporações de artesãos inspirados nos ideais do Arts and Crafts viriam a dar seus frutos ao longo das décadas seguintes.
William Morris funda a Morris, Marshalll and Falkner em 1861 e é também por essa época que começam a aparecer as revolucionárias cadeiras de Michael Thonet, que descobre na madeira torneada ou curvada a vapor, assim como no design leve e prático, uma fórmula que haveria de obter imenso sucesso, alguns modelos das quais serviriam de fonte de inspiração para Le Corbusier e Mies van der Rohe na década de 20 do século subseqüente.

Saído desse mesmo contexto, nasce pouco depois, também na Inglaterra, embora aí não viesse a se difundir tão plenamente, o movimento Art Nouveau, que também representava uma resposta aos frígidos ideais vitorianos, procurando na profusão de motivos providos pela natureza, uma fonte inexaurível de estilizações. Contudo, ao contrário da busca de motivos góticos e outros “pré-rafaelistas” próprios de Morris e Ruskin, o Art Nouveau submete-se ao impacto de influências alheias que poderiam tanto vir do Japão da era Meiji ou das idéias decorativas assimétricas então em gestação, as quais, mais tarde, como que num jogo dialético dentro do próprio movimento, ocasionarão a emergência do repertório de soluções ornamentais e estilísticas próprias do Art Deco.

Mas será sobretudo no continente europeu que o Art Nouveau se difundirá e Charles Macintosh, esse importante designer e artesão britânico, permanecerá um dos poucos nomes a ser lembrado.
Em inícios da década de 1890 o belga Henry van de Velde transporta os ideais estéticos do Art Nouveau para o continente e, rapidamente, essa nova visão se propaga. Na França, nomes como Louis Majorelle, Hector Guimard e Eugène Vallin e, na Áustria – onde fica conhecido como Sezession- os de Richard Rimerschmid, Josef Hoffman, Koloman Moser impulsionam o movimento.

O Art Nouveau, no entanto, com sua profusão de motivos e generosa pulsão ornamental, chocava-se com as tendências de objetividade, sobriedade decorativa, simplicidade artesanal às quais tendiam as aspirações do Arts & Crafts e seus avatares do final do século XIX e inícios do XX. Pressionados pelas idéias estéticas de ponta da época, que tendiam cada vez mais ao abstrato, à radicalização do discurso estético, onde a idéia- e no caso específico do móvel de assento, a idéia funcional- deveria sobrepujar o sentimento excessivo, o motivo supérfluo, de modo a atingir um ideal essencialista, a influência do Art Nouveau passa a declinar abruptamente como fonte de inspiração para o design de cadeiras.

O austríaco Josef Hoffmann visita Macintosh em princípios de 1900 e inspirado no modelo de escola do tipo Artes e Ofícios daquele resolve fundar a Wiener Werkstätter, cujo ideal era o de fazer convergir a praxis das artes plásticas e os ofícios tradicionais, como que a intermediar os campos ocupados pelas artes tradicionais ditas “nobres” com aquelas associadas tradicionalmente ao artesanato, agora sob o imperativo da produção industrial. Alguns dos valores estéticos do design que surge dos ideais do Wiener Werksttäter- preferência pelo geométrico e por cores neutras, entre outros- ocasionará grande influência por toda Europa. Não obstante essa sobriedade de propósitos, Hoffman encontrará severas críticas à sua concepção decorativa, posta em prática nos ateliês do estabelecimento. Dentre seus críticos encontrava-se Adolf Loos (1870-1933), que pensava haver um excesso decorativo, a ser depurado. A essa crítica, exposta num famoso Manifesto de 1908- “Ornamento e Crime”-, afiliar-se-íam jovens talentosos tais como Frank Lloid Wright (1869-1959), Otto Wagner (1841-1918) e Richard Rimerschmid (1868-1957). Arquitetos e industriais convergiam para o ponto de vista que defendia a depuração ornamental rumo a uma padronização que pudesse ter a um só tempo qualidade, funcionabilidade e simplicidade de design.

Diante desse estado de coisas, a fundação do Werkbund alemão por Hermann Muthesius (186-1927), em 1907, significará mais um passo dado na radicalização do programa dos Werkstätter vienenses. Por essa época, já começa a ser cada vez mais íntima a associação, tanto em idéias como em vínculos de trabalho, entre arquitetos, designers e industriais.

Inevitavelmente tal proposta de harmonização entre ideais estéticos que pudessem servir aos propósitos de padronização industrial, em se tratando de atividades artísticas tão variadas quanto a pintura, a escultura, a fundição e a marcenaria não poderia deixar de gerar conflitos e impasses. Essas disputas e conflitos imanentes encontram um grande fórum para confronto no Congresso da Werkbund de 1914, oportunidade em que o diretor da Escola de Artes de Weimar- futura Bauhaus- Henri Van der Velde, exerce aberta crítica aos ideais excessivamente pragmáticos de Muthesius. Com o término da Primeira Grande Guerra e a emergência dos planos de reconstrução, sob a pressão do já então cada vez mais mais intenso ritmo de industrialização que se seguiu a ela, o ideário estético-funcional do Werkbund passou a prevalecer numa Europa combalidade e traumatizada. Além disso, adquiriam realmente força as idéias estéticas racionalistas e funcionalistas dos movimentos tais como o De Stijl ou o Concretismo russo.

CHARLES RENNIE MACKINTOSH (1868-1928). Escócia

Mackintosh é sem dúvida o mais representativo nome do design britânico de cadeiras do final do século XIX e início do XX. Oriundo do movimento de William Morris, ele expõe com grande sucesso na famosa Arts & Crafts Exhibition Society realizada em Londres, em 1896 e na de Viena em 1900. Mackintosh destaca-se sobretudo por sua visão filosófica da integração arquitetura/decoração de interior e design, uma aspiração estrutural à integração de partes, como se fora uma aplicação do ideal estético wagneriano do Gesamtkunstwerk. Seus projetos de arquitetura, particularmente o da School of Arts de Glasgow são considerados até hoje obras-primas.

No design de cadeiras, Mackintosh ficará conhecido por sua variantes das cadeiras de espaldas altas em formas elípticas. Sua concepção caracterizou-se igualmente pela junção de duas tendências em conflito, a saber, as reminiscências góticas presentes no ideário estético da época e as tendências geometrizantes dos movimentos modernos que despontavam na virada do século. Famosas cadeiras Macintosh são sobretudo a Hill House (1902) e a Willow (1904), exemplos típicos de estilização moderna da passagem do século.

FRANK LlOYD WRIGHT (1867-1959).
Embora não tenha se notabilizado especificamente por seus modelos de cadeiras, Frank Lloyd Wright exerceu considerável influência na estética do design dessas no princípio do século, particularmente sobre Gerrit Rietveld. Lloyd Wright produziu sobre a arquitetura do século XX, muito especificamente a americana, um impacto semelhante ao de Le Corbusier a Europa e na América Latina. Embora oriundos de uma mesma configuração de ideais estéticos e influenciados pelas mesmas idéias então emergentes, a filosofia da arquitetura em Frank Lloyd Wright será diametralmente diferente daquela de Le Corbusier, porquanto sua modernidade estará cada vez mais vinculada a uma busca ecológico-espiritual, a uma organicidade entre o homem, sua morada, a natureza que o circunda e o saber de uma visão holística. Em termos de design de cadeiras, encontramos nele a inventividade ousada, elaborada e sofisticada.

GERRIT RIETVELD (1888-1964). Holanda

Fortemente influenciado por Charles Macintosh e Frank Lloyd Wright, por um lado, e por pintores de vanguarda, tais como Mondrian, por outro, o holandês Rietveld concebe em 1918 a famosa Red and Blue, que haverá de se tornar um ícone da modernidade e fonte de inspiração por muito tempo. A Red and Blue incorpora em si o despojamento radical contido no ideária do movimento De Stijl e ecos bem audíveis do concretismo russo. A desconcertante Zig-Zag Chair, de 1934 representa um avatar ousadamente transfigurado e temerariamente estilizado daquela invenção de 1918, onde a impressão visual de frágil leveza é rapidamente dissuadida pela extraordinária solidez subjacente à magia das conexões. Se a Red and Blue evoca um Mondrian, a Zig-Zag é uma expressão plena, na forma de mobiliário de assento, da pintura daquele.


BAUHAUS

Walter Gropius (1883-1969) estudara arquitetura primeiramente em Munique (1903) e posteriormente em Berlim (1905-1907). Após colaborar no escritório de arquitetura de Peter Behrens de 1908 a 1910 ele abre escritório próprio em Berlin e manterá projetos em conjunto com Adolf Meyer (1881-1891), a quem convidará para ser professor de arquitetura da Bauhaus em 1919.

Gropius assume a direção da Staatliche Bauhaus de Weimar em abril de 1919, e desde início passa implantar a filosofia que fará dessa Hochschule a mais famosa escola de arquitetura e design do século XX: “Arte e Técnica- Uma Nova Unidade!” Trata-se de unir artistas e artesãos de modo a que as necessidades práticas da produção industrial possam encontrar ali uma baliza de qualidade e de inventividade funcional nos novos designs. A nova pedagogia visava extirpar da formação clássica vigente os excessos inconseqüentes, fossem do plano teórico ou das tendências ornamentais da época. A estética que subjazia à filosofia da Bauhaus, encetada pela carismática autoridade de Walter Gropius e por toda uma plêiade de talentosos artistas e professores, representava também o melhor das teorias estéticas de então. Quando Mies van der Rohe dizia “menos é mais”, tratava-se de um eco que reverbera por essa época desde um certo neopositivismo nascente, onde a sintaxe filosófica exige depuração lógica, tanto quanto no método fenomenológico de Husserl, que reivindica a eliminação dos a prioris. Essencialismos, simplicidade e aplicação funcional, do design de uma lâmpada ao projeto de uma casa ou de conjunto arquitetônico. A metáfora da funcionalidade de uma máquina está presente e Le Corbusier dirá, por esta época, que uma casa é uma máquina na qual se vive.

Fundada, portanto, em 1919, em meio aos mais revolucionários movimentos artísticos que a Europa até então presenciara- e que talvez venha presenciar no futuro-, a Bauhaus emerge provida de um forte senso sócio-político, artístico e pragmático à la fois, que são resultantes de uma longa catarse, tal como uma guerra mundial haverá sempre de ocasionar. Mas ela não surge de um passe de mágica, mas sim de um processo de amadurecimento de idéias e de práticas que, como vimos, se iniciara no movimento Arts and Crafts de William Morris
No seio da visão da Bauhaus encontram-se, intimamente imbricados o aspecto funcional da categoria estética necessidade (leia-se, por extensão, essencialidade) tão defendida em outro plano por Kandinsky em seu livro “Sobre o Espiritual na Arte”. Se, por um lado, a arte já podia ser considerada como emancipada das várias formas de tutela a que estivera submetida até pouco tempo antes, também a filosofia ocidental aproximava-se do mais avançado patamar alcançado, passados Kant, Hegel e Nietzsche. Há também uma nova ontologia em gestação, e o Ser e Tempo de Heidegger será publicado em 1926. Em breve também, como fruto dessa fricção, embora por uma vertente neo-hegeliana, sem o aporte metafísico, uma teoria crítica repensará profunda e radicalmente os tópicos de uma variada pauta, não menos a das artes: a Escola de Frankfurt.

O ideário estético da Bauhaus, e sua prática, representa aquilo que muitos historiadores de arte, entre outros Nicolau Pevsner, consideram como a mais contundente expressão de conciliação entre o ideal de criatividade do artista, a consciência dos imperativos do social e do econômico (leia-se por extensão: o avanço das tecnologias) aliadas ao espírito do honesto savoir-faire artesanal.

Para a história das cadeiras as do século XX, dois nomes em particular devem ser destacados quando se pensa em Bauhaus: Marcel Breuer e Ludwig Mies van der Rohe. Ambos faziam parte integrante da visão racional e funcional que caracterizava a Bauhaus e ambos criaram tipos de assentos que produziram extraordinário impacto no design de cadeiras da época. Contudo, nesse contexto, importantíssimo é o nome do holandês Mart Stam (1899-), cujo protótipo da cadeira em aço tubular soldado a gás (1926) servirá de fonte de inspiração para as lendárias séries de Breuer e Mies van der Rohe.

MARCEL BREUER (1902-1981). Hungria

Marcel Breuer nasceu na Hungria em 1902 e antes de completar 20 anos já era aluno da então recém-criada Bauhaus. Seu progresso ali foi fulminante e em 1925, com apenas 24 anos incompletos concebe a legendária Cadeira Wassily (homenagem a Kandinsky), a primeira a fazer uso de aço tubular curvado. O design da Wassily incorporava o que havia de mais avançado para época, assim como quase todos os ideais da filosofia da Bauhaus: elementos do construtivismo então em voga, dada a sua montagem, elementos de assimetria sem perda de sensibilidade proporcional, leveza, funcionabilidade e honestidade no uso do material. Um clássico desde os primeiros dias em que veio à luz, já que seria imediatamente aclamada por toda a Europa.

Absorvendo com profundidade e prudência todas as principais correntes artísticas de seu tempo, Marcel Breuer se destacará também como arquiteto a partir dos anos 30 e, mais tarde, nos Estados Unidos, será associado de Walter Gropius, de 1938 a 1941.

Em 1925, a Bauhaus muda-se de Weimar para novas instalações em Dessau e é também por essa época que Marcel Breuer concebe uma outra cadeira revolucionária, a Laccio, um aço tubular com oito seções de curvatura e um assento de madeira aparafusado! Nada mais simples, nada mais funcional, nada mais inovador! Uma cadeira-banqueta para ser usada na cantina das dependências da Bauhaus- e de qualquer cantina do mundo!- com a possibilidade de ser convertida em mesa, caso houvesse necessidade.

O design da famosa cadeira Cesca, concebida em 1928, tem origem inequívoca na Laccio. Tanto em sua versão com braço como na desprovida o impacto de pureza na composição estrutural é eloqüente.

MIES VAN DER ROHE (1886-1969). Suiça

Ludwig Mies van der Rohe nasceu em 27 de março de 1886, em Achen, na Alemanha e durante parte de sua infância freqüentou a escola de ofícios da catedral de Aachen. A partir dos 15 anos de idade, demonstrando grande habilidade manual e minúcia, o pai decidiu que deveria ser aprendiz junto aos arquitetos locais. Aconselhado a partir para Berlim, ali ele estuda, de 1905 a 1907, na oficina do grande ebanista Bruno Paul. Mies van de Rohe tinha apenas 21 anos quando recebeu a incumbência de construir, à la manière romana, uma residência em Berlin-Neuabelsberg. Tal como Gropius e Le Corbusier, Mies van der Rohe também sofre a influência das idéias de Paul Behrens, assim como as do talentoso Frank Lloyd Wright, que expunha sua obra exatamente por essa época em Berlim. Da Holanda, onde passaria cerca de um ano, Mies absorveria o espírito de limpidez da linha no design e, logo a seguir, o do construtivismo russo, em sua ênfase na dimensão espacial. De Mies são importantes a premiada Barcelona, a Cadeira de Balanço ou Espreguiçadeira dentro do espírito típico dos conceitos da Bauhaus pós- 1925 e seus experimentos com o aço cromado.


LE CORBUSIER (1887-1965). Suiça

O suíço Charles Édoaurd Jeanneret “Le Corbusier” (pseudônimo usado a partir de 1917) estudara gravação em metal e arquitetura antes de receber sua primeira encomenda em 1905. Após trabalhar no famoso escritório de Peter Behrens muda-se para Paris onde, em associação com Amédée Ozenfan (1886-1996) publica em 1918 o manifesto “Après le Cubisme, le Purisme”. É também por essa época que ele edita e publica na revista “L’Esprit Nouveau”, uma coletânea dos quais será reunida em seu livro “Vers une architecture”, publicado em 1923. Pioneiro no uso do concreto armado, Le Corbusier tornar-se-ía um dos mais importantes arquitetos do século XX, o grande representante do Movimento Moderno na arquitetura e fonte durante longas décadas de inspiração para ousados projetos arquitetônicos, Chandigar, mas também Brasília, até que o fraco aspecto puramente funcional de suas construções viessem a ser fortemente contestados.

Ao estudar o espírito do mobiliário da época, Le Corbusier descobre a modernidade precoce existente nas cadeiras de Michael Thonet, muito particularmente a famosa espreguiçadeira que inspirará a sua famosa Chaise longue modelo B 306, de 1928. É também por esse ano que surge o famoso sofá modelo LC2, para um e dois lugares, reeditados mais tarde pela Cassina, assim como a cadeira basculante (B 301).

O design, portanto, que surge no período entre as duas guerras mundiais, quando eclode aquele extraordinário florescimento intelectual e artístico, foi de certo fortemente influenciado pelas novas idéias e conceitos. Mas, por outro lado, tout court estará cada vez cingido aos impactos do avanço da tecnologia desde a segunda revolução industrial e com as imposições da produção mecânica em série. Tal como em outros exemplos do desenvolvimento da tecnologia, a descoberta de novos materiais- o avanço da tecnologia- incidirá sobre essa oscilante, mas constante, funcionabilidade, à qual o design de cadeiras, em particular, estará sempre circunscrito, paralelamente, mas não subsidiariamente, à evolução aleatória ou historicamente justificável dos estilos.

O designer, como o artista, mas à diferença desse, não pode estar voltado exclusivamente, ou mesmo preponderantemente, para a busca de um estilo, da descoberta artística a partir das motivações exclusivas de sua individualidade. Na sua qualidade específica de inventor artístico voltado para a produção em série, industrial ou não, o corte sociológico, o imperativo conceitual da funcionalidade, aliado à pesquisa dos materiais, impõe-se sobre a sua criatividade. Tal relação de dependência e interdependência se dará sobretudo com o fabricante, ainda que este seja ele mesmo; a evidência pluralística de fatos heterogêneos- tendência do Zeitgeist, imperativos comerciais, recorrências de estilos nacionais, etc.

Ainda no âmbito da perspectiva sociológica, tão fundamental para o estudo da história do design, verifica-se que, em parte tal como na história da arte, os momentos de exacerbada ou superávitica disponibilidade tendem a privilegiar sobretudo mais as inovações de estilo, em detrimento da pesquisa em torno da genuína funcionabilidade em seus elementos essenciais.


Contudo, o imperativo industrial-tecnológico, e o fato de a produção dos designers estar voltado eminentemente para o mercado, não explica perda de genuína autonomia. Muitos designers procuram manifestar uma estética de avançado aporte filosófico ou espiritual. Os objetos e estruturas arquitetônicas passam então a produzir impacto estético, icônico, que apontam para outros dimensões de consciência, contribuindo assim para o avanço das idéias e da postura humana diante da vida e do social.

Não obstante a marcante influência da Bauhaus e das escolas escandinavas de Design, onde a simplicidade, a funcionalidade e mesmo uma certa forma de ascetismo estético subjazem à concepção, não raramente a pulsão à superfície dos estilos predomina sobre a genuinidade das soluções que não percam de vista a funcionabilidade e o conforto. Tal é o caso de certas tendências do design de cadeiras dos anos 50, quando, paralelamente às inquestionavelmente revolucionárias soluções dos Eames, emergem aqui e ali produções que são na melhor das hipóteses absolutamente kitch, mas que detêm pelos menos o mérito de corresponderem à mentalidade banalmente tecnocratizante que dominava a época, particularmente na Europa recentemente devastada pela Guerra.

O estilo Art-nouveau, em seu potencial profusivo, domina inquestionavelmente a virada do século XIX para o XX, predominando nas artes decorativas soberanamente até o pré-guerra. Em linhas gerais, a relação dialética que ocorrerá entre os princípios teóricos e estilísticos da Bauhaus, erigida formalmente em 1919, e de seus avatares, com as tendências do design do art-decô, atuará como manancial das tendências que a leste e oeste dominará a história do design de cadeiras até os anos 50. Se a Bauhaus depura e atualiza uma postura objetiva, pragmática, sociologicamente consciente por parte do artista e designer- à esquerda e à direita do espectro ideológico-, o art-decô herda um extraordinário senso de liberdade assimétrica, de descontinuidade, providas ambas do melhor da pintura e da música da época. Mas nele, o teor decorativo ainda se arvora importante.

DESIGN ESCANDINAVO

ALVAR ALTO (1898-1976) Finlândia

Alvar Alto formou-se em arquitetura em 1921. Após percorrer a Europa em longa viagem cultural, durante a qual pôde entrar em contato com as principais idéias e movimentos artísticos da época, fixa residência na ilha de Turku, entre a Suécia e a Finlândia, onde conceberá vários de seus importantes designs e projetos de arquitetura. É sobretudo através de Alvar Alvar que, em princípios da década de 30, o design escandinavo, portanto numa época em que os princípios da Bauhaus, assim como os do Movimento Moderno liderado por Le Corbusier, resquícios do construtivismo e do funcionalismo assim como a plenitude do Art Decô, reinam praticamente soberanos. Desses ele absorve o essencial e parte para a pesquisa integrada, orgânica dos elementos imanentes na estética escandinava: simplicidade austera, inequívoca funcionabilidade, despojamento decorativo, genuína inovatoriedade e uma salutar dialética relação entre o apelo à contemporaneidade e a recorrência ao rústico. Indiferente aos atrativos das inovações tecnológicas- embora o modelo F35 seja em aço tubular cromado, ele se concentra na pesquisa da madeira, elemento tão arquetetipal na consciência artesanal nórdica.

É sobretudo com o modelo 31, a cadeira de braço, que Alvar Alto deixa patente sua genialidade, quando design e domínio do material/técnica que incide sobre aquele alcançam plenitude. A número 31, constitui sem dúvida uma peça de escultura em madeira laminada, com um potencial de impacto estético semelhante aquele obtido pela Red and Blue de Rietveld, pela Wassily de Breuer ou ainda pela Barcelona de Mies van der Rohe. O velho problema das conexões, calcanhar de Aquiles na arte das cadeiras, encontra nessa peça uma resposta orgânica provida da visão arquitetônica do todo.

Alvar Alto representa, inequivocamente, a resposta escandinava àquele momento de saturação dos idéias da Bauhaus, a partir de então será cada vez mais ressonante, conduzidos enfim uma espécie de deadlock temporário, como de resto, de certa forma, se enfiarão os grandes avanços sociológicos, filosóficos e artísticos até então alcançados. Ele realçará e redimensionará certos conceitos conquistados e dará a eles uma feição própria, até então inexplorada. Se Mies dizia que Deus está nos detalhes, Alvar Alto poderia através de sua obra dizer que esse se encontra na solução orgânica das conexões. Com Alvar Alto surge um novo vocabulário no design de cadeiras.
O grande período inovador de Alvar Alto ocorre durante os anos 30. Como arquiteto, legou-nos uma série de construções absolutamente marcantes, tais como a Biblioteca local, o Sanatório de Paimio (assim como a famosa Cadeira Paimio) e a sua famosa residência em Turku. Em 1935, Alvar Alto fundou a Artek.


EERO ARNIO
(1932- ). Finlândia

Para Eero Arnio, “design significa renovação constante, realinhamento e crescimento”. Eero Arnio pertence uma segunda geração de designers escandinavos provida de uma uma recorrente visão de organicidade no tratamento do material da feição estética. Sua poltrona em fibra reinforçada com poliéster, base em alumínio pintado, datada de 1965, mantem até hoje o charme e admiração alcançada à época. Antes dela, a “Globo” (1963-65) em fibra de poliéster... Mas talvez a mais representativas das cadeiras seguidoras daquele princípio seja a “Pastille”, também conhecida como “Gyro”, na qual o elemento estético escandinavo deixa-se inconfundivelmente representar pelo domínio do material sintético, além de trazer em si inconfundíveis elementos de um certo futurismo.

Portanto, é sobretudo a década de 60 a mais marcante da carreira de Eero Arnio . A cadeira “Bola” ou “ Globo” data de 1962, a Pastille de 1967, a cadeira série Tulipa, a sensacional “Bubble” de 68, e a escandalosa Pony Chair (1970), em relação à qual ele emitiu sua famosa frase “A Chair is chair, is a chair, is chair...”.

EERO SAARINEN (1910 - 1961). Finlândia

Filho do famoso arquiteto Eliel Saarinen, Eero nasceu também em Helsinki e emigrou com a família para os Estados Unidos, onde, após estudos superiores na década de 30, associa-se em 1937 a Charles Eames, com o qual elabora uma série de projetos “orgânicos”, de ascendência escandinava, alguns dos quais premiados na famosa competição da Organic Design promovida em 1940 pelo Museum of Modern Art de Nova York. Sua cadeira Tulipa, de 1956, entre outras, tornou-se um ícone da época.

ARNE JACOBSEN (1902 - 1971). Dinamarca

Formado em arquitetura em 1927, Arne Jacobsen abre seu escritório de design em 1930 e inicia uma incisiva exploração do design de índole marcantemente escandinava e tal por uma via acentuadamente pessoal. Arne Jacobsen notabilizou-se também pelo uso de novas técnicas e materiais. Suas poltronas Egg e Swan - ambas de 1958-, assim como a Pot Chair, de 1959, apresentam diversos elementos de originalidade, tanto em termos de design quanto de conforto.Ainda antes dessas há de se destacar a famosa Ant, modelo 3100, que data de 1951/52 e que tem sido prusamente reproduzida..


FINN JUHL (1912 - 1989). Dinamarca

Finn Juhl, um dos mais extraordinários designers escandinavos de cadeiras, estudou com o arquiteto Kay Fischer na Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes, graduando-se em 1934. Em Finn Juhl o design de cadeira tende inevitavelmente à escultura, à obra de arte. Provido de todos os elementos da estética nórdica, suas criações são dotadas de sólida estrutura e primoroso acabamento. Uma de suas obras-primas é a icônica Chiftain Chair, conhecida também como a “Cadeira Egípcia”, que data de 1949, e foi concebida em nogueira e couro. Apenas 78 unidades dessa genial peça de mobiliário foram produzidas pela firma Niels Vodder. O famoso Sofa, de 1950, antecipa elementos do futurismo espacial, moderados pelo máximo de rigor da técnica e por uma sóbria mas incisiva estética de recorrência escandinava.


HANS WEGNER (1914 - ). Dinamarca

Após estudos na famosa variante dinamarquesa do Arts & Crafts, Hans Jegersen Wegner associa-se, na década de 30 aos arquitetos Erik Moller e Arne Jacobsen. Mas é no final da década de 40 que seu espírito inovador começa a adquirir plena expressão, incialmente com a famosa “Cadeira Redonda”, um verdadeiro ícone da cadeira dinamarquesa contemporânea. Essa excepcional Round Chair, que passaria a ser também conhecida como “A Cadeira” ou “A Cadeira Clássica”, foi seguida da “Y” (modelo nr. 24) e precedida da “Chinesa” (1943) e da “Pavão” (1947), todas elas apresentando a evolução de uma mesma linha de pesquisa e concepção. Tal como Arne Jacobsen, Finn Juhl e outros designers escacandinavos, Hans Wegner deixa-se aqui e ali influenciar pelo elemento oriental, seja egípcio ou chinês, tal como nos dão testemunho sua série de cadeiras chinesas. Ousadamente original é também a sua Cadeira Concha de Três Pés, de 1963, uma excepcional peça de maestria artesanal, da qual apenas umas 12 unidades foram feitas.
A postura estética do designer em Hans Wegner no início da década de 40 é antologicamente exemplificada cpela sua frase: “despojando as cadeiras antigas do estilo externo e fazendo com que manifestem puramente suas construções.”


BRUNO MATHSSON (1907 - 1988) Suécia.

Bruno Mathsson é dentre os designers suecos talvez o que mais radicalmente incorporou um ideário moderno vis-à-vis a tecnologia, a visão estética estrutural, o estilo, etc. Com Mathsson torna-se vivificada a expressão Design Sueco Moderno. Uma de suas mais famosas poltronas é a “Miranda”, um aprimoramento da “Eva”, que data de 1934 e cujas variantes são produzidas ainda hoje pela firma DUX Mobel.


DESIGN AMERICANO DO PÓS-GUERRA


CHARLES E RAY EAMES ( 1907 - 78; 1912 - 1989). EUA

O design americano de cadeiras adquire extraordinário impulso com Charles e Ray Eames a partir do final da década de 40. Provido da experiência adquirida na parceria com Eero Saarinen, Charles muda-se para a Califórnia em princípios da década de 40, logo após seu casamento com Ray Kaiser. Artista polivalente, Charles Eames causará um decisivo impacto sobre o design americano, atualizando-o, dimensionalizando-o e adequando-o à quintessência do senso pragmático e esteticamente questionável do americano pelos móveis. No caso dos Eames, tanto quanto no de outros designers americanos, o imperativo do avanço da tecnologia, o ritmo da industrialização e a tendência ao efêmero adquirem eloqüente expressão de veracidade. Exemplos paradigmáticos dos produtos Eames para cadeiras são a Chair em madeira de 46, a estilosa La Chaise, de 1948 e a famosa poltrona com otomana, que data de 56, produzidas pela Knoll.


GEORGE NELSON (1908 - 1986). EUA

George Nelson notabilizou-se não apenas como um importante designer, dentre as criações do qual encontram-se a Cocunut e o sofá Marshmallow, mas igualmente pela extraordinária liderança e inventividade que exerceu como diretor da famosa firma Hermann Miller. Não menos importante foi ele como crítico, arquiteto e consultor de arte. A época em que Nelson assume a diretoria de Design da Hermann Miller (1945) é a do início do design de móveis americanos do pós-guerra. Sua inquestionável capacidade de prover soluções extremamente funcionais em lapsos exíguos de tempo, como quando em tempo recorde providenciou a organização da espetacular American National Exibition em Moscou, em 1959. A Marshmallow surgiu de uma dessas instâncias de solução rápida de problemas, quando uma idéia serve incidentalmente a outro propósito e torna-se um sucesso.

Contudo, George Nelson, em suas intervenções intelectuais sobre o state of art do design da época e sobre o padrão estético vigente, não deixava de ser crítico em relação à crescente banalização da vivência estética e quanto ao recuo da genuína capacidade de ver que ocorria com o ritmo exacerbado da produção e pela falta de fontes mais profundas em que pudessem beber os ideais estéticos americanos.

HARRY BERTOIA (1915 - 1979). Itália

Colaborador no início dos anos 40 de Charles Eames, o ítalo-americano Harry Bertoia notabilizou-se no design de cadeiras sobretudo por suas criações em arame, concebidas para a Knoll International e cujo extraordinário sucesso lhe permitirá tamanha liberdade financeira que ele posteriormente se voltará com exclusividade para a escultura. A Cadeira Diamante (1952) é certamente a mais representativa de sua linha de design.


“O Pós-Moderno”

A partir da década de 80, ocorre uma vez mais uma certa saturação em termos de pesquisa inovatória com bases nos princípios das escolas que caracterizaram as primeiras décadas do século. Esse movimento não é exclusivo da área do design de móveis, mas já se manifestava desde os anos 50 em várias outras áreas e a boa crítica literária e artística já preconizava um inevitável- em parte inteiramente salutar, em parte inteiramente artificial-, movimento de desconstrução de pressupostos- é o desconstrutivismo em marcha, em nome de um alegado “pós-moderno”. Se em filosofia tal tendência conduzirá a nomes como Derrida, se na literatura ao neo-concretivismo e nas artes plásticas às mais genuínas ou disparatadas tendências, na área do design de cadeiras, um misto de apelo ao futurismo cibernético, tais como haveremos num Ron Arad ou Lovegroove ou de estilismo high-tech, como é o caso de Philippe Starck, ou ainda de cadeiras de de inovatoriedades kitsch como em Pesce e Mendini.

Um dos marcos do design pós-moderno nasce em Milano, com o estilo de um movimento no design que passa a ser conhecido como Grupo Memphis, composto principalmente de nomes tais como Ettore Sottsass, Michele de Lucchi, Shiro Kuramata, Andrea Branzi, Masanori Umeda e Marco Zanini.


PHILIPPE STARCK (1949 - ). França

Após sobretudo Jean Prouvé, a maior nome do design francês moderno, Philippe Starck tornou-se o ícone por execelência do design francês a partir da Era Miterrand, ou seja a partir dos anos 80. Polivalente, arrojado, mais do que um representante das tendências específicas do pós-moderno, Starck, o showman do design representa o espírito estilizado da arquitetura de interiores e das peças de mobiliário e de decoração de interiores de hotéis e restaurantes famosos.

Dentre as inovações de Starck encontram-se a famosa cadeira Bo, uma das primeiras de Starck concebida para a coleção Dríade Atlantide; a emblemática Dr. Glob (1990) , que já representa hoje referência obrigatória no design da década de 90, assim como a sua contraparte, a Miss Global. A apologética Dr. No, a famosa Emeco, que ocupa todos os quartos do famoso Hotel Hudson e cuja extraordinária pátina é obtida manualmente e não menos a translúcida Cheap Chic, em tubo de alumínio e poliometano.


RON ARAD (1951 - ). Israel

Estudos de arquitetura em Tel Aviv e Londres. Abre na década de 80 a One Off Ltda em parceria com Caroline Thorman. Suas cadeiras mais famosas são a “Well Tempered” (1986), extraordinária peça ciberno-futurística em aço laminado (1986), industrializada pela Vitra, a Rolling Volume, que data de 1896 e a excepcional Single Rietveld, de 1991, assim como a famosa Tom Vak, de 1997. Oriundo de uma época em que o pós-moderno se caracterizava por um certo senso de crise e tendia ao anti-design, Ron Arad conseguiu explorar com estilo e originalidade os diversos potenciais das tendências futurísticas da época.


BRASIL

No Brasil, o efeito catalizador da Semana de Arte Moderna, em 1922, constituiu não apenas a senha, mas o próprio empurrão que nos faltava para o ingresso na modernidade. O design brasileiro, tal qual a identidade nacional, estará tateando por toda a década de 20 e começa a encontrar expressão tímida a partir dos anos 30. A expressão e a reflexão artísticas e antropológica que proporcionarão esta construção da identidade, agora não mais sob a hegemonia dos arquétipos da lusitanidade, mas sim como expressão das simbioses culturais das quais já não se podia mais tergiversar, já existem e se manifestam plenamente. Convém lembrar que da pauta das reuniões do início dos anos 30 do grupo artístico reunido em torno do arquiteto Warshavchik (o introdutor das casas cubistas no Brasil), constava a preocupação com o desenvolvimento do design tipicamente brasileiro. Contudo, faltava aqui ainda o outro elemento que está intimamente ligado ao design do século XX: o avanço tecnológico na descoberta e conquista de novos materiais, o aço tubular, o alumínio e o poliometano são alguns exemplos. Portanto, a nossa industrialização ainda é embrionária e o ultimo ciclo dos nossos modelos econômicos, o do café, está prestes a sofrer um devastador golpe. É exatamente alguém oriundo dos benifícios daquele modelo econômico e sobretudo do que havia de melhor da cultura desse modelo que, em vários planos de atividade, fomentará esse agenciamento rumo à construção da identidade nacional sob a égide da modernidade: Paulo Prado.
Embora caiba aos arquitetos a soberania no design de cadeiras, o nosso primeiro grande nome nesse domínio será não apenas um português por nascimento, mas também um marceneiro e ebanista por formação: Joaquim Tenreiro.
Mas antes de abordarmos na obra de Tenreiro convém lembrar o nome de Celso Martinez Carrera, o espanhol naturalizado brasileiro que concebeu a Cadeira Patente já em 1915, provida de uma abordagem simples e funcional e que representou à época algo de uma passsagem entre a produção artesanal e a industrial. O fato de um Tenreiro tornar-se marco inaugural apenas na década de 40 e de até então ainda não ter surgido nada de expressivamente brasileiro, é explicado pela digressão que esclarece que, as idéias nesse campo, precisam ser concretizadas pelo domínio artesanal da técnica., tal como Mies van der Rohe e os escandinavos em geral dão testemunho. As idéias já estavam brotando, buscando a via brasileira desde a década de 20, e principalmente a de 30, mas fazia falta o grande artesão para dar o salto. Uma vez o salto dado, começarão surgir os novos ímpetos com Rino Levi, Bernard Rudofsky, Lina Bo Bardi, Zanine Caldas, Sérgio Rodrigues, Ricardo Fasanelo, Carlos Motta...

JOAQUIM TENREIRO (1906-1992).

Logo após sua terceira vinda ao Brasil, o jovem Tenreiro decide-se por uma carreira artística e ingressa, em 1929, no curso de desenho do Liceu Literário Português. Filho de marceneiro, seu amor inato pela marcenaria o conduz a ganhar o sustento nesse ofício e já na década de 30 ele começa a projetar uma série de cadeiras fora do espírito de repetição dos móveis à la manière dos grandes estilos europeus dos séculos passados, cópias que ele com grande maestria e esmero fêz para as firmas Laubsch & Hirth, Leandro Martins e Francisco Gomes, de 1933 a 1943. As tentativas inovatórias de Tenreiro serão por fim apreciadas no início da década de 40, quando ele recebe grande encomenda para mobiliar a casa do médico e apreciador de arte Francisco Inácio Peixoto. Mas o artista plástico em Tenreiro não será relegado inteiramente pelo marceneiro e suas ligações com o grupo Bernadelli alojaram em seu espírito experiência e idéias matrizes das quais sua produção pictórica se beneficiará enormemente.

Nascem então os primeiros móveis Tenreiro! Já em 1943 ele inaugura no Rio de Janeiro a firma Langebach & Tenreiro, que em 1947 procura um endereço mais nobre, na rua Barata Ribeiro, sendo esse mesmo ano aquele em que sua famosa cadeira de três pés serve de metáfora para a peça de Silveira Sampaio intitulada “Da Necessidade de ser Polígamo”. Em 1953 abre loja em São Paulo, em 1962 em Ipanema e até 1969, quando monta o mobiliário do Itamaraty, em Brasília, sua carreira como designer de móveis será plena de sucesso.

Tenreiro surge numa época em que o design de móveis no Brasil luta para sair, por um lado, da produção de réplicas do móvel clássico europeu, e, por outro,do ecletismo modernizante em que ainda se encontrava, passada a Semana de 22, as tentativas dos anos 30, não obstante o impacto das visitas de Le Corbusier em 29 e 36, sendo não pouco provável que ele tenha sido influenciado pelo móvel escandinavo, cujo design simples, tecnicamente perfeito e orgânico encontrava-se em ascensão a partir dos anos 30. Não obstante as inevitáveis influências, a marca de originalidade na linha Tenreiro de móveis é inequívoca. Sua Cadeira de Três Pés, móvel genuinamente extraordinário, concebida em cinco tipos de madeira, incluindo o pau marfim, data de 46-47 e Tenreiro seria mais tarde categórico ao afirmar que o modelo semelhante, industrializado por Max Bill, na Suíça no início dos anos 50, tiveram nele a fonte de inspiração. Outra peça notável dessa época é a Cadeira de Embalo Tenreiro reintroduz no mobiliário brasileiro a nobreza de certas madeiras, como o jacarandá, a elegante leveza das formas funcionais e despojadas e a incontestável marca da alta qualidade artesanal. Sua Cadeira Estrutural é de elegância quase austera e servirá de arquétipo para mais de um designer brasileiro.

Tenreiro representa o grande marco inaugural do móvel brasileiro moderno e sua trajetória servirá de estímulo a tantos outros nomes que começariam a surgir a partir do final da década de 40.


LINA BO BARDI (1914- 1992).

A arquiteta Lina Bo Bardi torna-se ativa no mundo do design a partir da segunda metade da década de 40, sendo sua cadeira Masp de 47 e a “Cadeira”, de 48, dois exemplos desse período. Ainda do final dessa década data a criação, com Gian Carlo Palanti, do Studio Arte Palma, um dos primeiros do gênero. A partir da década de 50 edita a revista Habitat, um marco brasileiro nesse gênero de publicação.

Sua cadeira mais famosa talvez seja a Bowl, em estrutura metálica, que data de 1951, hoje um ícone do design brasileiro.


JOSÉ ZANINE CALDAS (1919 - 2001).

O marquetista e arquiteto autodidata Zanine Caldas, que terá ao longo de sua genial carreira mais de 600 projetos, ingressa no mundo do design em princípios da década de 50, quando inaugura a firma Z e lança a sua primeira linha de cadeiras, imbuídas de uma inequívoca influência provinda de nomes tais como Charles Eames e Jean Prouvé. O Zanine designer mais característico que conhecemos é o tardio, aquele em que a peça de mobiliário permanecerá tão fiel quanto possível fiel à natureza da madeira,isto é, à própria tora da qual emerge-, sendo a estética inteiramente secundária, assim como os requintes do acabamento. Com Zanine, tanto em seus projetos arquitetônicos, quanto no design de mobiliário, o apelo ecológico e a aspiração de um retour à la nature dispensam maiores comentários. Famosas cadeiras de Zanine são sobretudo a Namoradeira e A Poltrona-tronco.

SÉRGIO RODRIGUES (1927 -).

Sérgio Rodrigues é considerado o pai do móvel genuinamente brasileiro, embora ele mesmo atribua a Tenreiro essa honra. Em 1955 funda a já lendária Oca e 1961 ganha com sua Poltrona Mole(nga) - conhecida a partir de então como Sheriff, ao ser industrializada pela firma Isa, de Bérgamo - o prêmio internacional de Milão. Outro ícone da linha Sérgio Rodrigues é a elegante e despojada Kilin (Xikilin), de 1973, em madeira maciça encerada, com duas laterais e duas travessas, premiada pela IAB. Outra criação de Sérgio que pouco deixa a desejar vis-à-vis as notáveis peças escandinavas é a arrojadamente soberana Dadi (1978), em madeira e palhinha.

O design em Sérgio Rodrigues nunca foi conduzido pelo imperativo da originalidade a qualquer preço. Conforto, elegância, uso prudente e sábio do material, assim como de todos os princípios e avanços anteriores... Sérgio não se precipita, conhece as virtudes da constância, dos inevitáveis fluxos e refluxos dos estilos, ele sabe da volubilidade das estéticas de momento.


RICARDO FASANELLO (1930 - 1993).

Ao lado de Tenreiro, Sérgio Rodrigues e Zanine, Fasanello representa para o design brasileiro de mobiliário mais um momento de busca pela nossa originalidade. Nascido em São em 1930, inaugura na década de 50 seu famoso Studio em Santa Teresa, Rio de Janeiro, de onde sairão suas importantes criações, tais como o Sofá Fardos (1968), a Cadeira Esfera (1968), a famosa Gaivota (1971) e a Anel, cadeira e poltrona, que data de 1970.

CARLOS MOTTA

Segundo alguns, Carlos Motta pertence a uma das mais linhagem de Zanine Caldas. Se em Zanine a relação com a madeira tende a ser de uma fidelidade radical, em alguns modelos de Carlos Motta essa relação tende a amalgar-se de tal forma que é como se o “avanço” do design deva ser decidido a um “retorno” ao primitivo, à organicidade primeva do homem com os elementos, em detrimento, aparentemente total, do refinamento da vivência estética. Exemplos de um Carlos Motta dessa vertente são suas duas versões da Astúria.
Carlos Motta ganhou o prêmio da Casa do Móvel Brasileiro em 1982, concedido às suas São Paulo, prêt-à-porter em mogno maciço torneado e a Estrela, que evoca, no excepcional trabalho do encosto, a Três Pés do Tenreiro.
Este é um ensaio sobre cadeiras do século XX, onde designers se expressam sobre um objeto a um só tempo eminentemente funcional e, esteticamente, próximo de qualquer outro segmento das artes visuais, à mercê, contudo, de uma inexorável recrudescente tendência ao decorativo. A história do mobiliário é como sabemos longa e remonta ao Egito antigo, cuja gramática de estilos tornara-se tão recorrente nas artes decorativas a partir do século XIX. Os elementos de pregnância semiótica do móvel de assento perpassam vários segmentos da atividade humana, do senso de dignidade e ostentação (os tronos dos soberanos e autoridades religiosas) às variações psicológicas e sociológicas que evocam e suscitam certos assentos. Expressões como “assentar praça”, “as coisas estão assentadas” e outras denotam o lugar de eminência que essa peça de mobiliária ocupa na vida dos seres humanos.

O aspecto social, marcantemente episódico do design de cadeiras a partir sobretudo do século XX - não obstante a continuidade da influência dos “clássicos contemporâneos”-, aproxima esse segmento das artes aplicadas do fenômeno da moda no vestuário, fato por um lado que compromete a sua sobrevida, por força da impregnante efemeridade; no entanto impõe-lhe, por outro lado, um exercício sem tréguas de criatividade. Essa pulsão pelo novo, própria dos imperativos da era da reprodutibilidade serial do capitalismo tardio, explica em parte o grande número de inventividades desprovidas de genuinidade em termos de estilo e funcionalidade, sobretudo no aspecto conforto. Tal fenômeno deu-se sobretudo a partir dos anos 50, quando uma vez mais na busca pelo novo, o imperativo da forma fazia preponderar o aspecto decorativo sobre os outros tão preciosos provindos das lições da Bauhaus e de outras conquistas da anatomia, da ergonometria e da “filosofia” do móvel de assento em geral. Sérgio Rodrigues, e já antes dele Eero Saarinen, costuma ter sempre presente em mente o fato de que, em design de cadeiras, há de se pensar que, após quinze ou vinte minutos sentado, o usuário tenderá a mudar de posição e o designer tem que levar em suprema consideração!

Símbolo de status, o design de uma cadeira, assim como a maneira pela qual se senta nesse ou naquele modelo acarreta impactos semióticos de natureza a mais diversa sobre as relações sociais. George Nelson, que via na cadeira uma das mais impactantes expressões do espírito humano, chega a dizer que “toda idéia autenticamente original- toda inovação em termos de design, toda nova utilização de material, toda nova invenção técnica destinada ao mobiliário- parece encontrar sua mais forte expressão numa peça de assento.”

As Firmas.


À exemplo de importantes firmas européias e americanas que não apenas produziam as inovações do design de cadeiras, tal como as famosas Knoll e Hermann Miller, mas igualmente reeditavam os modelos clássicos, no Brasil não poucas foram as iniciativas congêneres a partir do final da década de 40.
A americana Hermann Miller, fabricante exclusiva da linha Charles Eames, será representada no Brasil pela Móveis Tepperman, fundada em 1946. Lina Bo Bardi cria com Giancarlo Palanti, em 1948, a Studio de Arte Palma. A Forma, fundada por Martin Eisler e Ernest Wolf, nasce em 1949, tendo sido adquirida em 2003 pela Giroflex. Em 1950 Zanine Caldas funda a Z e em 1955 Sérgio Rodrigues a Oca, dois importantíssimos marcos da história da design de móveis no Brasil. A Ambiente é inaugurada em 1951 por Leo Seincman, que será também o dono da famosa Probjecto. A Giroflex data também de 1951 , sendo que a L’Atelier, conhecida pela sua linha de móveis de escritório em jacarandá, foi fundada por Jorge Zalszupin em 1955. Original e pioneiro projeto foi o da Unilabor, criada como uma espécie de cooperativa por Geraldo de Barros em 1954 e da qual ele se desligou em 1964. Geraldo de Barros criou então a Hobjecto, em parceria com Antonio Brione e Pascoal Moranti, ambos marceneiros. Uma outra firma importante, inaugurada em São Paulo em 1952 por um grupo de arquitetos e designers- Miguel Forte, Jacob Ruchti, Roberto Aflalo e Carlos Millan- foi a Branco & Preto. A Tok-Stok é criada e 1977 e o Studio Babilônia em 1984.


BIBLIOGRAFIA SELETA



Canti, Tilde. O Móvel Brasileiro.

Tenreiro, ed. Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, 1998

Sérgio Rodrigues, ed. Soraia Cals, 2000

Cadeiras Brasileiras. Museu da Casa Brasileira, 1996.

Charlotte & Peter Fiell. 1.000 Chairs. Taschen, 1983

Larrabee, Eric, Vignelli, Massimo. Knoll Design, 1981.

Carlos Motta. Tok-Stok. 2.004

Charlotte & Peter Fiell. Scandinavian Design. Taschen 2002

Danish Chairs. Oda Noriisugu, Chronical Books, 1996.