Yi Jing 易經
INTRODUÇÃO E PANORAMA HISTÓRICO
Yi Jing, o mais importante monumento inaugural do pensamento chinês, traduzido mormente como o Livro das Mutações ( I Ching, Yi King), sendo conhecido na China sobretudo como Zhouyi [(O Livro das) Mutações da Dinastia Zhou], terá sem dúvida sido, num primeiro momento, sistema oracular. Contudo, sua concepção geral - seu design epistêmico e cosmogônico -, decorre de uma visão gnóstico-geométrica, a partir da qual uma numerologia, e a seguir uma visão filosofal, ensejaram a permanência de um resíduo metafísico, numa ponta, como também, principalmente, um prontuário de receitas para a eficácia no agir pessoal e da entidade política, ou seja, o Estado. Consolidado por uma linhagem de sábios, ampliado e explicitado em épocas sucessivas, esse oráculo foi se transformando na referência maior do pensamento chinês, na grande fonte a partir da qual todos haveriam de beber. Dentre as várias teorias que tentam inferir sobre o seu surgimento, além das canônicas sobre as quais me deterei mais adiante, existe uma que advoga serem as linhas - os gua(s) ( trigramas ou hexagramas ) - rudimentos de uma escrita chinesa primordial, a partir da qual teriam surgido os ideogramas a serem mais tarde estilizados e derivadamente expandidos. Segundo outras abordagens, a forma atual de que dispomos, submetida a uma legião de interpolações, adaptações e arranjos, teria sido transmitida por um certo Fei Zhi (费直) que viveu à época da Dinastia dos Han Anteriores (qian han), algo entre 50 e 10 A.C. Esta versão do texto, por sua vez se atualizaria já no começo da segunda época dessa dinastia, ou seja, em princípios da Era Cristã. De acordo com essa vertente, deveras preponderante, a mais antiga e confiável montagem do Yi terá sido definitivamente restaurada na época da dinastia Tang ( 637- 966). Assim sendo, em termos de “manuscritos”, a versão mais antiga de que dispomos data do período dos “Estados Combatentes” (Zhangguo), a saber, dos últimos séculos da dinastia Zhou. Escrita em tiras de bambú, esse manuscrito não é contudo absolutamente completo. Sendo aquele último período da Dinastia Zhou uma época de extraordinário florescimento filosófico, cosmológico, legalístico, entre outras áreas, mas também de exacerbadas confrontações bélicas, certamente terá a versão antiga então original sofrido profundas interferências e adquirido – num processo de sedimentação que se inicia com Confúcio e se prolongará até o final dos Han – a forma e o conteúdo geral que nos é dado hoje conhecer. provido com a interpretação do Rei Wen do início da dinastia (cerca de 1050 A.C ), os comentários atribuídos a Confúcio, as chamadas 10 Asas (十翼 ), e inúmeras outras interpolações.
O Mito Inaugural
Segundo o mito chinês prevalescente, Fu Xi (伏羲), um dos três heróis mítico-inaugurais da antiguidade, que terá vivido por volta de 2800 A.C., foi quem concebeu os Oito trigramas originais ( 八卦 bā guà) do Yi Jing, num momento de grande inspiraçõ. Ainda de acordo com um outro mito, pouco aceito pela crítica filológico-historiográfica, esses oito trigramas originais já haviam se tornado os 64 hexagramas que conhecemos à época do legendário rei Yü (禹 Yǔ), isto é, em torno de 2194 A.C, embora a opinião hegemônica seja a de que eles foram estruturados pelo rei Wen, dos primórdios da dinastia Zhou. A passagem da dinastia Shang (+ - 1766-1056) para a Zhou (1122-221) representa um momento decisivo na história do pensamento e da visão chinesas de mundo. Essa mudança dinástica, de proporções épicas, é também referida como a passagem do “Céu Anterior” (xian tian) para o “Céu Posterior” (hou tian), ou seja, uma mutação de paradigma em termos de configuração representacional e dinástica sobre o legado filosófico ( da tradição oral ) e político-cultural da China, mas sempre como um upgrading na sequência do mesmo eixo epistêmico provindo da mais alta antiguidade. Ocorrerá a partir de agora uso mais explícito, formulado do legado da visão cósmico-holística anterior, uma visão mais ordenada dos ritos e rituais, articulação menos herméticas de uma certa rationale, uma maior concretude de exemplos projetados na realidade social, uso mais adstrito da linguagem. Todo esse processo adquire extraordinário momento à época do chamado período “Primavera/Outono” ((722-481) e se desenvolverá “mil flores florescenedo”, exponencialmente, nas épocas subsequentes de Lao Zi, Confúcio e das chamadas “Cem Escolas” filosóficas. Considera-se que à época da inauguração da nova dinastia ascendente, a Zhou, seu rei-herói Wen Wang (周文王 Zhou Wen Wang) não apenas transformou os trigramas em hexagramas, mas também realçou a importâncias dos dois primeiros hexagramas – Qian e Kun - da atual ordem conhecida, no que ficou conhecido como Gūi Cáng ( 歸藏), “o contínuo retorno que oculta”, uma referência à Kun - a imagem-essência do hexagrama nr. 2. Por fim, ainda na sequência do momento pré-clássico, o lendário Duque Wu, filho de Wen, criou os comentários para as linhas, Yaoci ( 爻辭), também conhecidos como a “Explicação das Linhas Horizontais”. É a partir deste momento que o conteúdo hermético, esotérico, daquela visão inaugural-fonte, daquilo que conhecemos como a sabedoria chinesa antiga, começou a emergir com plenitude para o seu subsequente processo civilizatório. O Yi Jing, ou Zhou Yi como era sobretudo conhecido, desempenhará, nesta nova configuração epistêmica do “Céu Posterior” papel decisivo na sedimentação da uno-axialmente cada vez mais múltipla visão de mundo dos chineses de toda dinastia Zhou, passando pela era Primavera/Outono e tumultuosamente pelos Estados Combatentes até o seu colapso e o surgimento do Primeiro Grande Império chinês, unificado (221-210 ) por Shi Huang Di, do Estado de Qin.
Confúcio e os Comentários A tradição mantém que Confúcio (孔子 Kung Zi) apenas tarde em vida passou a estudar profundamente o Yi Jing e que tão somente anos de aprofundamento decidiu-se por ampliá-lo e completá-lo, escrevendo os conhecidos Shi Yi (十翼 shí yì,) as “Dez Asas”. Mas, como boa parte das atribuições literárias na China sofrem contestação, essa autoria o foi por Ouyang Xiu, da dinastia Sung, cujo argumento tem por base um procedimento estilístico-textual. Ouyang Xiu atribuiu o corpus dos Comentários atribuídos a Confúcio a um período posterior ao dos Estados Combatentes, séculos depois, portanto. Seja como for, esse novo momento da história das interpolações no corpo “original” do Yi Jing introduziu uma vertente hermenêutica cada vez mais filosófica e psicológica, por um lado, e sócio-política por outro. E esta permaneceu como espinha dorsal.
Dinastia Han
A dinastia Han, que imediatamente se segue a grande unificação da China sob o imperiador Qin Shi Huan, passou a ser um marco de referência quanto à estruturação de escolas de interpretação do Zhou Yi. Essa dinastia representa, igualmente, a referência maior para toda uma gama de outras áreas da civilização chinesa. Ocorre por essa época o estabelecimento de uma divisão central do livro, a saber, uma parte Comentários, Xiang (imagens) e outra literária, (wenyan) às quais foram anexados os hexagramas, ou vice versa. A partir dos Han surgem, num primeiro momento, quatro tradições hermenêuticas maiores: Shi Chou 施讎, Meng Xi 孟喜, Liangqiu He 梁丘賀, e Jing Fang 京房. Essas escolas predominaram até o final dos Han posteriores (25-220), quando emerge o período dos Três Reinos Combatentes (220-280 A.D.), com as dinastias Wei e Jin, durante as quais dois importantíssimos nomes representarão um novo marco na tradição hermenêutica do Yi Jing: Zheng Xuan (鄭玄) e o genial Wang Bi (王弼), que passam a predominar sobre aquelas quatro correntes anteriores. Considerado um dos mais importantes intérpretes do Yi Jing, Li Bo (226-249), falecido aos 23 anos, deixou um importante tratado, o Zhouyi Zhu 周易註, “Comentários do Zhou Yi”, o qual retoma a tradição filosófica daoista-confuciana, posta de lado durante o ostracismo em que em particular o confucionismo caiu durante parte dos Hans. Mas já no final desses mesmos Han posteriores, o confucionismo haveria de conhecer uma reabilitação, sendo então a vez do daoismo cair em certo ostracismo. O Comentário de Wang Bi se afasta portanto das prevalescentes linhas místicas e matemáticas da era anterior e é a partir deles que firma-se a distinção entre daoismo religioso (daojiao) e o filosófico (daojia). Eis aqui uma passagem desse tratado, que revela de seu teor altamente filosófico de ascendência daoista: “Imagens são meios de expressar idéias. Palavras são meios de expressar imagens. Quando se abre mão por completo das palavras, nada é melhor do que imagens; abrir mão do sentido das imagens, nada melhor do que as palavras.As palavras são geradas pelas imagens, portanto, observe as imagens. As imagens são geradas pelas idéias, pondere sobre as imagens e observe o que são as palavras”. Com a penetração e expansão do Budismo na China, a partir do século III da Era Cristã, cuja irradiação ocorrerá até meados da Dinastia Tang ( séc. VIII), a influência do Yi Jing recuou e somente na dinastia Song ela recobrará plena força e plenitude com a retomada tanto do Daoismo quanto da renovação confuciana, conhecida como Neoconfucionismo. Tal fato atesta, uma vez mais, o papel decisivo que a tradição confucianista tem exercido sobre o formato que dispomos desse clássico.
Dinastias Tang (618-907) e Song (969-1279)
Durante a dinastia Tang(唐), destacam-se dois intérpretes em particular, Kong Yingda (孔穎達), que compôs o tratado A Retificação do Sentido do Zhou Yi (Zhouyi zhengyi 周易正義) e Li Dingzuo 李鼎祚 que escreveu uma importante obra de referência, até hoje muito consultada, a Crestomacia das Anotações sobre o Zhou Yi, o zhouyi jijie (周易集解), na qual cerca de 25 teorias são reunidas. Já na dinastia Sung, ocorre de novo uma espécie de revisitação as raízes profundas do Daoismo e de outras tradições filosóficas endógenas, como que em reação aos substratos ainda vigentes dos séculos de influência budista. Dentre os os chamados neoconfucianistas dessa época, que retomam uma linhagem de interpretação mais mística e divinatória, encontram-se Liu Mu (劉牧) e Shao Yong (邵雍). E das dinastias Yuan ( mongól ), ou Ming, não existe, segundo a exegese vigente, nada de muito importante em termos de inovação hermenêutica. Tempos Modernos No começo da Dinastia Qin (1644 -1911), predominava ainda a escola Song de interpretação, mas ocorre então uma espécie de convergência de escolas sob os reinados de Qian Lung e Kan Xi das duas vertentes maiores, a saber a tradição fixada nos Han e aquela a partir de Wang Bi, que se consolidara nos Sung. O imperador Qian Lung, um manchu iluminista, promotor de enciclopédias e dicionários , ordenou a compilação do Si Ku Qian Shu (O Livro Completo dass Quatro Ramificações), obra também de caráter enciclopedicamente antológica. De lá para cá, há de se destacar os nomes de Guo Moruo (郭莫若, Wen Yiduo (聞一), ou Hu Pu’an (胡樸安), que produziram importantes estudos sobre o Zhou Yi. No princípio da década de 70 do século XX, arquéologos chineses descobriram, na privíncia de Hunan, uma versão do Yi Jing, conhecida atualmente como Mawangdui, produzida sobre seda, assim como uma versão do Dao De Jing e de outros clássicos, em túmulos pertencentes à dinastia Han. Teorias heterodoxas Por fim, convém lembrar de um último esquema bipartite na longa história de escolas de interpretação do Yi Jing, tido por alguns como “heterodoxo”, o da chamada escola das imagens e dos números (xiang shu), surgido da teoria guaguaqi, própria dos Han Anteriores, segundo a qual há um princípio, um dao espiritual que se manifesta sob a forma de energia vital – qi – quando da consulta oracular, por um lado, e o da abordagem mais especificamente filosófica (li yi) própria das especulações numa vertente mais filológica, atendo-se ao sentido imanente dado, imediato, por outro lado. Esta corrente bipartite também esteve muito em voga nas dinastias Wei e Jin, que ocorre no lapso entre os Han e a emergência dos Tang. A teoria hermenêutica conhecida como Na Jing, relaciona os hexagramas com os 10 ramos originais (Jia-Yin, Bin-Ding, Wu-Ji, Gen Xin, Ren-Gui) com os 5 elementos( Madeira, Terra, Fogo, Ar, Água) ou Fases e as 5 Posições ( 4 pontos cardinais, mais o centro). A teoria do Gua Qi interpreta o Yi Jing de acordo com as estações do ano, assim como com os dias da semana. Quatro hexagramas principais determinam as quatro estações do ano – Kan, Zhen, Li, Dui, sendo que a totalidade das 24 linhas dos hexagramas correspondem aos 24 pontos sesonais.
A recepção no Ocidente
Os primeiros contatos relevantes que o Ocidente tem com o Yi Jing ocorrem já em princípios do século XVII e o filósofo e matemático alemão Gottfried Leibnitz será um dos primeiros a recepcionar esses fragmentos, através das notícias exóticas trazidas pelos missionários cristãos, jesuitas em particular, e das primeiras cursórias traduções latinas dos clássicos. Athanasius Kircher. polígrafo genial da época, foi um dos primeiros a mergulhar nesse exótico universo da China distante. Leibnitz não apenas ficou fascinado com o Yi, mas apressou-se igualmente a escrever um artigo sobre o sistema binário contido na distribuição das linhas e dos hexagramas. Contudo, como campo específico de saber, no âmbito do orientalismo, será tão somente na virada do século XIX para o XX que o Ocidente começara pouco a pouco a despertar para as riquezas do Zhou Yi, A partir do término da Segunda Grande Guerra tal interesse disparou em círculos acadêmicos e intelectuais e místicos em geral. A Consulta oracular Terminologia: 1- Linhas inteiras, fortes: yangyao (陽爻); linhas partidas, fracas: yinyao (陰爻). 2- A imagem/ilustração do hexagram: guaxiang (卦象). 3- Os nomes dos trigramas/hexagramas: guaming (卦名). 4- A explicação dos sentidos guaci (卦辭). A explicação de cada linha: yaoci (爻辭). 5- A parte de Comentários do hexagrama: Yi zhuan (易傳), ou ainda, o Grande Comentário - Yi dazhuan (易大傳). 6 - As Dez Asas 十翼, são assim denominadas e classificadas: 1- O Comentário ( Julgamento ) tuan 斷 (ou tuanzhuan 斷 傳). 2- As Formas/Representações/Idéias: xiang 象 e suas descrições, xiangzhuan (象傳). Xiang é dividido em pequena Aparência/imagem/idéia, xiaoxiang (小象) e aparência/imagem/idéia “maior" (daxiang 大象) e proporciona uma espécie de explicação filológica do livro). 3- "Comentário sobre a Relação dos Hexagramas”: Xicizhuan (繫辭傳) , o qual fornece uma visão geral sobre a relação do Yi Jing com o mundo e a vida em geral. Esses três primeiros são divididos em duas partes, a saber : a- Wenyanzhuan (文言傳) "Digressão sobre os ideogramas. O comentário wenyan explica o sentido geral dos primeiros dois hexagramas, qian 乾 e kun 坤, os quais representam o céu e a terra. b- Shuoguazhuan (說卦傳) "Explicando os hexagramas". Shuogua explica como cada hexagrama pode se converter em outro e como ele se relaciona com os três planos fundamentais: Céu (tian) Terra (di, or tu) e o homem (ren). 4- Xuguazhuan (序卦傳) "A ordem própria dos hexagramas. Xugua funciona como um aide-mémoire quanto à sequência dos hexagramas. 5- Zagua (雜卦) "Miscelânea. Zagua estabelece relações de semelhança e discrepância entre os hexagramas. Linhas Móveis Quando o processo de eleição de um dos 64 hexagramas é feito, por meio de varetas ou galhos, no método tradicional, ou por moedas, como passou a ser mais frequentemente usado a partir da Dinastia Han, cada linha Yin (partida) seis, ou Yang (inteira), nove, poderá ser fixa ou móvel (cambiante), devendo assim constituir um novo hexagrama, com a linhas cambiantes revertendo em seu contrário. Numa abordagem estatística comprovou-se que com o sistema de moedas as possibilidades de yin e yang são praticamente iguais, ao passo que com as varetas/galhos as possibilidades de linhas yang predominam. As linhas são então assim distribuídas : - Nove é o velho yang , linha inteira (———) que se converte em linha yin, partida (— —); - Oito é jovem ying, linha partida (— —) , não muda. - Sete é o jovem yang, linha inteira (———) , não muda. Seis é o velho yi, linha partida (— —) que se converte em inteira (———) A Dialética Yin/Yang As linhas inteiras representam o princípio yang (陽), princípio criativo, rígido, ao passo que as linhas yin ( 陰) representam o receptido, flexível, mas em cada instância yin existe uma parcela yang e em cada instância yang uma parcela yin. A imagem/símbolo tradicional desta complementariedade encontra-se representado no diagrama taiji (太極 ) (☯) . Segundo uma interpretação em geral aceita, a parte inferior de um hexagrama, o trigrama inferior, representaria o aspecto “interior” do sentido representado, enquanto que o trigrama superior, o sentido “exterior”. O Yijing tem atravessado a história da civilização chinesa como um vetor de ação múltipla, o arcabouço de toda a articulação metafísica e posteriormente filosófica de um legado que se extende por milhares de anos. Suas máximas de sabedoria visam a ua tomada de posição diante das situações da vida, ainda que nenhuma atitude deva ser por vezes tomada. Trata-se de um instrumento de aggiornamento da consciência humana, imbuída – e talvez importantente por isso - de certa imanência mágica, de uma inequívoca metafísica que pressupõe uma sincronicidade do momento oracular com os planos do macro, atendendo assim áquela visão holística típica do “Céu Anterior” na qual o Dao do Céu e das “mil coisas” encontram-se sempre dados e permanentes e cabe ao homem compreendê-los, sobretudo intuitivamente, e a eles se adaptar. Portanto, esse extraordinário monumento do mundo chinês, não obstante ter por vezes passado por certo momento de ostracismo por força de certos imperativos ideológicos ( como no caso no período “comunista” da era Mao ), permanece o paradigma maior, o eixo em torno do qual, sob roupagens e abordagens externas diversas, gira a mente chinesa mais profunda em seus arquétipos originais. O Manancial Bibliográfico Um estudo sobre a bibliografia do Yi Jing deveria começar pelo tratamento da questão das próprias versões do “estema” do texto vigente, ou de sua ( metaforicamente alusível ) “editio princips”. Tem-se agora a versão conhecida como mawangdui, já considerada por muitos como a mais importante versão herdada e, para o seu estudo , existem em linguas ocidentais os importantes estudos de Shaughness ( 1996 ) e Wang Donliang (95). Para o estudo das versões tidas como apócrifas consultar Ying Xiong: Taixuan jing. Para o estudo da numerologia e vários importantes aspectos simbólicos do Yi, dispomos do importante estudo de Bent Nielsen: A Companion to Yi Jing Numerology and Cosmology : Chinese Studies of Images and Numbers from Han (...) to Song (…) ( London: Routledge-Curzon 2003). Ainda sobre esses aspectos, existe o interessante estudo de Lars Berglund, aluno de Göran Malkvist, o mais importante sinólogo sueco depois de Bernhard Karlgren: The Secrets of Luo Shu, Numerology in Chinese Art and Architecture. Södra Sandby, Tryckbiten AB, 1990. Para aspectos mais especificamente filosóficos, existe a tradução da conceituada obra de Zhang Dainian, feita por Edmund Ryden e publicada pela Yale University Press, em 2002, sob o título de Key Concepts in Chinese Philosophy. Esta é uma obra indispensável. Traduções A tradução de Richard Wilhelm, assim como a James Legge, ambos sinólogos e missionários, continuam sendo referências clássicas em linguas ocidentais. A tradução de Wilhelm é mais abrangente e cosmológica, enquanto que a de Legge prima mais pelo rigor filológico. No Brasil, a versão de R. Wilhelm foi publicada pela editora Cultrix/Pensamento. Outra tradução muito conceituada no cenário acadêmico do mundo anglo-saxônico é a de John Blodfeld: I Ching: The Book of Change.New York: E. P. Dutton, 1968. Blodfeld reflete nela certas influências marcantemente daoistas e, não menos, algo budistas. Ainda como referências clássicas as traduções francesas de Charles Harlez, Le livre des mutations. Texte primitif traduit du Chinois, nova edição publicada em Paris pela Editions Denoel, 1959. Outra referência clássica da sinologia francesa é a tradução de P. L. F. Philastre Le Yi King ou, Livre des changements de la dynastie des Tsheou. Paris: Ernest Leroux, 1885–1893. Uma tradução mais recente que está se tornando referência obrigatória é a de Richard Lynn: The Classic of Changes ( as interpreted by Wang Bi) : New York: Columbia University Press 1994. Sobre os primeiros impactos do Yi sobre pensadores do século XVII, tais como Leibnitz, existe o estudo de Aiton, E. J. Gorai Kinzô’s Study of Leibniz and the I ching Hexagrams. Annals of Science 38 (1981)., assim como o cursório de Collani, Claudia von: "The First Meeting of the Yijing and the West." Ainda sobre a produção de ascendência jesuítica, existem os Importantes estudos, editados por Jerome Heyndrickx sobre Philippe Couplet, S.J. (1623–1693): The Man Who Brought China to Europe ( Nettetal: Steyler Verlag, 1990), assim como o de Michael, : "Jesuit Figurism, in Thomas H.C. Lee, ed.: China and Europe: Images and Influences in Sixteenth to Eighteenth Centuries. Hong Kong: Hong Kong University Press, 1991. No âmbito de estudos comparativistas, dispomos do ousado e algo heterodoxo Cheng Chung-ying e seu Confucius, Heidegger, and the Philosophy of the I Ching. Philosophy East and West, 37.1 (January, 1987), 51–70. Ainda sobre Heidegger e o Yi, ver: Susan Schoenbohm: Heidegger and Hexagram 2. in Journal of Chinese Philosophy 30.1 (March 2003): 61–79. Uma tentativa com Alfred Whitehead foi feita por Lik, Kuen Tong em The Concept of Time in Whitehead and the I Ching. In Journal of Chinese Philosophy, 1.3-4 (June-September, 1974), 373–93. Outras fontes bibliográficas Para a erudição e estudos sobre o Yi durante a dinastia Qin cabe consultar Benjamin Wai-ming. "I Ching Scholarship in Ch'ing China: A Historical and Comparative Study," Chinese Culture, 37.1 (March, 1996). Uma abordagem mais filosófica é o execelente estudo Hon Tze-Ki Being and Non-Being: A Comparison of the Yijing Commentaries of de Wang Bi ( Hong KongYinda, “Excursions in Sinology, 2002), assim como em Teaching the Book of Changes”( Education About Asia, 2, 2, 1997) O moderno sinólogo francês François Julien apoiou-se no famoso filósofo do final da dinastia Ming, Wang Fuzhi como ponto de partida para seu estudo Yi: Figures de l'immanence: pour une lecture philosophique du Yi King, le classique du changement. Paris: Grasset, 1993. Um estudo clássico russo é o de Iulian Shchutskii. Researches on the I Ching, publicado em inglês pela editora Princeton. Outro estudo pouco conhecido é o de Tat Wei. An Exposition of the I-Ching or Book of Changes. Hong Kong ( Dai Nippon Printing Co., 1977). Para um estudo sobre as influências budistas na hermenêutica do Yi, durante várias dinastias, covém acessar a tese datada de 1976 de Doulass Alan White : Interpretations of the Central Concept of the I-Ching During the Han, Sung and Ming Dynasties. Harvard University: 1976. Para a prática de consulta oracular e visão prevalescente do Yi ao longo da dinastia Zhou existe o interessante estudo de Kidder Smith, Zhouyi Divination from Accounts in the Zuozhuan, publicado no nr. 49: 2 ( 1989) do Harvard Journal of Asiatic Studies. Nessa direção cabe também assinalar Ngo, Van Xuyet em Divination, magie et politique dans la Chine ancienne. Paris: PUF, 1976, assim como Richard Smith, J. Fortune-tellers and Philosophers: Divination in Traditional Chinese Society. Boulder, Colorado and Oxford, England: Westview Press, 1991. Para o período de plena ascenção dao jiao, Daoismo religioso, ou seja, a partir dos Han até o início dos Tang, existe o importante estudo de Kenneth De Woskin: Doctors, Diviners and Magicians of Ancient China. New York: Columbia University Press. 1983.
INTRODUÇÃO E PANORAMA HISTÓRICO
Yi Jing, o mais importante monumento inaugural do pensamento chinês, traduzido mormente como o Livro das Mutações ( I Ching, Yi King), sendo conhecido na China sobretudo como Zhouyi [(O Livro das) Mutações da Dinastia Zhou], terá sem dúvida sido, num primeiro momento, sistema oracular. Contudo, sua concepção geral - seu design epistêmico e cosmogônico -, decorre de uma visão gnóstico-geométrica, a partir da qual uma numerologia, e a seguir uma visão filosofal, ensejaram a permanência de um resíduo metafísico, numa ponta, como também, principalmente, um prontuário de receitas para a eficácia no agir pessoal e da entidade política, ou seja, o Estado. Consolidado por uma linhagem de sábios, ampliado e explicitado em épocas sucessivas, esse oráculo foi se transformando na referência maior do pensamento chinês, na grande fonte a partir da qual todos haveriam de beber. Dentre as várias teorias que tentam inferir sobre o seu surgimento, além das canônicas sobre as quais me deterei mais adiante, existe uma que advoga serem as linhas - os gua(s) ( trigramas ou hexagramas ) - rudimentos de uma escrita chinesa primordial, a partir da qual teriam surgido os ideogramas a serem mais tarde estilizados e derivadamente expandidos. Segundo outras abordagens, a forma atual de que dispomos, submetida a uma legião de interpolações, adaptações e arranjos, teria sido transmitida por um certo Fei Zhi (费直) que viveu à época da Dinastia dos Han Anteriores (qian han), algo entre 50 e 10 A.C. Esta versão do texto, por sua vez se atualizaria já no começo da segunda época dessa dinastia, ou seja, em princípios da Era Cristã. De acordo com essa vertente, deveras preponderante, a mais antiga e confiável montagem do Yi terá sido definitivamente restaurada na época da dinastia Tang ( 637- 966). Assim sendo, em termos de “manuscritos”, a versão mais antiga de que dispomos data do período dos “Estados Combatentes” (Zhangguo), a saber, dos últimos séculos da dinastia Zhou. Escrita em tiras de bambú, esse manuscrito não é contudo absolutamente completo. Sendo aquele último período da Dinastia Zhou uma época de extraordinário florescimento filosófico, cosmológico, legalístico, entre outras áreas, mas também de exacerbadas confrontações bélicas, certamente terá a versão antiga então original sofrido profundas interferências e adquirido – num processo de sedimentação que se inicia com Confúcio e se prolongará até o final dos Han – a forma e o conteúdo geral que nos é dado hoje conhecer. provido com a interpretação do Rei Wen do início da dinastia (cerca de 1050 A.C ), os comentários atribuídos a Confúcio, as chamadas 10 Asas (十翼 ), e inúmeras outras interpolações.
O Mito Inaugural
Segundo o mito chinês prevalescente, Fu Xi (伏羲), um dos três heróis mítico-inaugurais da antiguidade, que terá vivido por volta de 2800 A.C., foi quem concebeu os Oito trigramas originais ( 八卦 bā guà) do Yi Jing, num momento de grande inspiraçõ. Ainda de acordo com um outro mito, pouco aceito pela crítica filológico-historiográfica, esses oito trigramas originais já haviam se tornado os 64 hexagramas que conhecemos à época do legendário rei Yü (禹 Yǔ), isto é, em torno de 2194 A.C, embora a opinião hegemônica seja a de que eles foram estruturados pelo rei Wen, dos primórdios da dinastia Zhou. A passagem da dinastia Shang (+ - 1766-1056) para a Zhou (1122-221) representa um momento decisivo na história do pensamento e da visão chinesas de mundo. Essa mudança dinástica, de proporções épicas, é também referida como a passagem do “Céu Anterior” (xian tian) para o “Céu Posterior” (hou tian), ou seja, uma mutação de paradigma em termos de configuração representacional e dinástica sobre o legado filosófico ( da tradição oral ) e político-cultural da China, mas sempre como um upgrading na sequência do mesmo eixo epistêmico provindo da mais alta antiguidade. Ocorrerá a partir de agora uso mais explícito, formulado do legado da visão cósmico-holística anterior, uma visão mais ordenada dos ritos e rituais, articulação menos herméticas de uma certa rationale, uma maior concretude de exemplos projetados na realidade social, uso mais adstrito da linguagem. Todo esse processo adquire extraordinário momento à época do chamado período “Primavera/Outono” ((722-481) e se desenvolverá “mil flores florescenedo”, exponencialmente, nas épocas subsequentes de Lao Zi, Confúcio e das chamadas “Cem Escolas” filosóficas. Considera-se que à época da inauguração da nova dinastia ascendente, a Zhou, seu rei-herói Wen Wang (周文王 Zhou Wen Wang) não apenas transformou os trigramas em hexagramas, mas também realçou a importâncias dos dois primeiros hexagramas – Qian e Kun - da atual ordem conhecida, no que ficou conhecido como Gūi Cáng ( 歸藏), “o contínuo retorno que oculta”, uma referência à Kun - a imagem-essência do hexagrama nr. 2. Por fim, ainda na sequência do momento pré-clássico, o lendário Duque Wu, filho de Wen, criou os comentários para as linhas, Yaoci ( 爻辭), também conhecidos como a “Explicação das Linhas Horizontais”. É a partir deste momento que o conteúdo hermético, esotérico, daquela visão inaugural-fonte, daquilo que conhecemos como a sabedoria chinesa antiga, começou a emergir com plenitude para o seu subsequente processo civilizatório. O Yi Jing, ou Zhou Yi como era sobretudo conhecido, desempenhará, nesta nova configuração epistêmica do “Céu Posterior” papel decisivo na sedimentação da uno-axialmente cada vez mais múltipla visão de mundo dos chineses de toda dinastia Zhou, passando pela era Primavera/Outono e tumultuosamente pelos Estados Combatentes até o seu colapso e o surgimento do Primeiro Grande Império chinês, unificado (221-210 ) por Shi Huang Di, do Estado de Qin.
Confúcio e os Comentários A tradição mantém que Confúcio (孔子 Kung Zi) apenas tarde em vida passou a estudar profundamente o Yi Jing e que tão somente anos de aprofundamento decidiu-se por ampliá-lo e completá-lo, escrevendo os conhecidos Shi Yi (十翼 shí yì,) as “Dez Asas”. Mas, como boa parte das atribuições literárias na China sofrem contestação, essa autoria o foi por Ouyang Xiu, da dinastia Sung, cujo argumento tem por base um procedimento estilístico-textual. Ouyang Xiu atribuiu o corpus dos Comentários atribuídos a Confúcio a um período posterior ao dos Estados Combatentes, séculos depois, portanto. Seja como for, esse novo momento da história das interpolações no corpo “original” do Yi Jing introduziu uma vertente hermenêutica cada vez mais filosófica e psicológica, por um lado, e sócio-política por outro. E esta permaneceu como espinha dorsal.
Dinastia Han
A dinastia Han, que imediatamente se segue a grande unificação da China sob o imperiador Qin Shi Huan, passou a ser um marco de referência quanto à estruturação de escolas de interpretação do Zhou Yi. Essa dinastia representa, igualmente, a referência maior para toda uma gama de outras áreas da civilização chinesa. Ocorre por essa época o estabelecimento de uma divisão central do livro, a saber, uma parte Comentários, Xiang (imagens) e outra literária, (wenyan) às quais foram anexados os hexagramas, ou vice versa. A partir dos Han surgem, num primeiro momento, quatro tradições hermenêuticas maiores: Shi Chou 施讎, Meng Xi 孟喜, Liangqiu He 梁丘賀, e Jing Fang 京房. Essas escolas predominaram até o final dos Han posteriores (25-220), quando emerge o período dos Três Reinos Combatentes (220-280 A.D.), com as dinastias Wei e Jin, durante as quais dois importantíssimos nomes representarão um novo marco na tradição hermenêutica do Yi Jing: Zheng Xuan (鄭玄) e o genial Wang Bi (王弼), que passam a predominar sobre aquelas quatro correntes anteriores. Considerado um dos mais importantes intérpretes do Yi Jing, Li Bo (226-249), falecido aos 23 anos, deixou um importante tratado, o Zhouyi Zhu 周易註, “Comentários do Zhou Yi”, o qual retoma a tradição filosófica daoista-confuciana, posta de lado durante o ostracismo em que em particular o confucionismo caiu durante parte dos Hans. Mas já no final desses mesmos Han posteriores, o confucionismo haveria de conhecer uma reabilitação, sendo então a vez do daoismo cair em certo ostracismo. O Comentário de Wang Bi se afasta portanto das prevalescentes linhas místicas e matemáticas da era anterior e é a partir deles que firma-se a distinção entre daoismo religioso (daojiao) e o filosófico (daojia). Eis aqui uma passagem desse tratado, que revela de seu teor altamente filosófico de ascendência daoista: “Imagens são meios de expressar idéias. Palavras são meios de expressar imagens. Quando se abre mão por completo das palavras, nada é melhor do que imagens; abrir mão do sentido das imagens, nada melhor do que as palavras.As palavras são geradas pelas imagens, portanto, observe as imagens. As imagens são geradas pelas idéias, pondere sobre as imagens e observe o que são as palavras”. Com a penetração e expansão do Budismo na China, a partir do século III da Era Cristã, cuja irradiação ocorrerá até meados da Dinastia Tang ( séc. VIII), a influência do Yi Jing recuou e somente na dinastia Song ela recobrará plena força e plenitude com a retomada tanto do Daoismo quanto da renovação confuciana, conhecida como Neoconfucionismo. Tal fato atesta, uma vez mais, o papel decisivo que a tradição confucianista tem exercido sobre o formato que dispomos desse clássico.
Dinastias Tang (618-907) e Song (969-1279)
Durante a dinastia Tang(唐), destacam-se dois intérpretes em particular, Kong Yingda (孔穎達), que compôs o tratado A Retificação do Sentido do Zhou Yi (Zhouyi zhengyi 周易正義) e Li Dingzuo 李鼎祚 que escreveu uma importante obra de referência, até hoje muito consultada, a Crestomacia das Anotações sobre o Zhou Yi, o zhouyi jijie (周易集解), na qual cerca de 25 teorias são reunidas. Já na dinastia Sung, ocorre de novo uma espécie de revisitação as raízes profundas do Daoismo e de outras tradições filosóficas endógenas, como que em reação aos substratos ainda vigentes dos séculos de influência budista. Dentre os os chamados neoconfucianistas dessa época, que retomam uma linhagem de interpretação mais mística e divinatória, encontram-se Liu Mu (劉牧) e Shao Yong (邵雍). E das dinastias Yuan ( mongól ), ou Ming, não existe, segundo a exegese vigente, nada de muito importante em termos de inovação hermenêutica. Tempos Modernos No começo da Dinastia Qin (1644 -1911), predominava ainda a escola Song de interpretação, mas ocorre então uma espécie de convergência de escolas sob os reinados de Qian Lung e Kan Xi das duas vertentes maiores, a saber a tradição fixada nos Han e aquela a partir de Wang Bi, que se consolidara nos Sung. O imperador Qian Lung, um manchu iluminista, promotor de enciclopédias e dicionários , ordenou a compilação do Si Ku Qian Shu (O Livro Completo dass Quatro Ramificações), obra também de caráter enciclopedicamente antológica. De lá para cá, há de se destacar os nomes de Guo Moruo (郭莫若, Wen Yiduo (聞一), ou Hu Pu’an (胡樸安), que produziram importantes estudos sobre o Zhou Yi. No princípio da década de 70 do século XX, arquéologos chineses descobriram, na privíncia de Hunan, uma versão do Yi Jing, conhecida atualmente como Mawangdui, produzida sobre seda, assim como uma versão do Dao De Jing e de outros clássicos, em túmulos pertencentes à dinastia Han. Teorias heterodoxas Por fim, convém lembrar de um último esquema bipartite na longa história de escolas de interpretação do Yi Jing, tido por alguns como “heterodoxo”, o da chamada escola das imagens e dos números (xiang shu), surgido da teoria guaguaqi, própria dos Han Anteriores, segundo a qual há um princípio, um dao espiritual que se manifesta sob a forma de energia vital – qi – quando da consulta oracular, por um lado, e o da abordagem mais especificamente filosófica (li yi) própria das especulações numa vertente mais filológica, atendo-se ao sentido imanente dado, imediato, por outro lado. Esta corrente bipartite também esteve muito em voga nas dinastias Wei e Jin, que ocorre no lapso entre os Han e a emergência dos Tang. A teoria hermenêutica conhecida como Na Jing, relaciona os hexagramas com os 10 ramos originais (Jia-Yin, Bin-Ding, Wu-Ji, Gen Xin, Ren-Gui) com os 5 elementos( Madeira, Terra, Fogo, Ar, Água) ou Fases e as 5 Posições ( 4 pontos cardinais, mais o centro). A teoria do Gua Qi interpreta o Yi Jing de acordo com as estações do ano, assim como com os dias da semana. Quatro hexagramas principais determinam as quatro estações do ano – Kan, Zhen, Li, Dui, sendo que a totalidade das 24 linhas dos hexagramas correspondem aos 24 pontos sesonais.
A recepção no Ocidente
Os primeiros contatos relevantes que o Ocidente tem com o Yi Jing ocorrem já em princípios do século XVII e o filósofo e matemático alemão Gottfried Leibnitz será um dos primeiros a recepcionar esses fragmentos, através das notícias exóticas trazidas pelos missionários cristãos, jesuitas em particular, e das primeiras cursórias traduções latinas dos clássicos. Athanasius Kircher. polígrafo genial da época, foi um dos primeiros a mergulhar nesse exótico universo da China distante. Leibnitz não apenas ficou fascinado com o Yi, mas apressou-se igualmente a escrever um artigo sobre o sistema binário contido na distribuição das linhas e dos hexagramas. Contudo, como campo específico de saber, no âmbito do orientalismo, será tão somente na virada do século XIX para o XX que o Ocidente começara pouco a pouco a despertar para as riquezas do Zhou Yi, A partir do término da Segunda Grande Guerra tal interesse disparou em círculos acadêmicos e intelectuais e místicos em geral. A Consulta oracular Terminologia: 1- Linhas inteiras, fortes: yangyao (陽爻); linhas partidas, fracas: yinyao (陰爻). 2- A imagem/ilustração do hexagram: guaxiang (卦象). 3- Os nomes dos trigramas/hexagramas: guaming (卦名). 4- A explicação dos sentidos guaci (卦辭). A explicação de cada linha: yaoci (爻辭). 5- A parte de Comentários do hexagrama: Yi zhuan (易傳), ou ainda, o Grande Comentário - Yi dazhuan (易大傳). 6 - As Dez Asas 十翼, são assim denominadas e classificadas: 1- O Comentário ( Julgamento ) tuan 斷 (ou tuanzhuan 斷 傳). 2- As Formas/Representações/Idéias: xiang 象 e suas descrições, xiangzhuan (象傳). Xiang é dividido em pequena Aparência/imagem/idéia, xiaoxiang (小象) e aparência/imagem/idéia “maior" (daxiang 大象) e proporciona uma espécie de explicação filológica do livro). 3- "Comentário sobre a Relação dos Hexagramas”: Xicizhuan (繫辭傳) , o qual fornece uma visão geral sobre a relação do Yi Jing com o mundo e a vida em geral. Esses três primeiros são divididos em duas partes, a saber : a- Wenyanzhuan (文言傳) "Digressão sobre os ideogramas. O comentário wenyan explica o sentido geral dos primeiros dois hexagramas, qian 乾 e kun 坤, os quais representam o céu e a terra. b- Shuoguazhuan (說卦傳) "Explicando os hexagramas". Shuogua explica como cada hexagrama pode se converter em outro e como ele se relaciona com os três planos fundamentais: Céu (tian) Terra (di, or tu) e o homem (ren). 4- Xuguazhuan (序卦傳) "A ordem própria dos hexagramas. Xugua funciona como um aide-mémoire quanto à sequência dos hexagramas. 5- Zagua (雜卦) "Miscelânea. Zagua estabelece relações de semelhança e discrepância entre os hexagramas. Linhas Móveis Quando o processo de eleição de um dos 64 hexagramas é feito, por meio de varetas ou galhos, no método tradicional, ou por moedas, como passou a ser mais frequentemente usado a partir da Dinastia Han, cada linha Yin (partida) seis, ou Yang (inteira), nove, poderá ser fixa ou móvel (cambiante), devendo assim constituir um novo hexagrama, com a linhas cambiantes revertendo em seu contrário. Numa abordagem estatística comprovou-se que com o sistema de moedas as possibilidades de yin e yang são praticamente iguais, ao passo que com as varetas/galhos as possibilidades de linhas yang predominam. As linhas são então assim distribuídas : - Nove é o velho yang , linha inteira (———) que se converte em linha yin, partida (— —); - Oito é jovem ying, linha partida (— —) , não muda. - Sete é o jovem yang, linha inteira (———) , não muda. Seis é o velho yi, linha partida (— —) que se converte em inteira (———) A Dialética Yin/Yang As linhas inteiras representam o princípio yang (陽), princípio criativo, rígido, ao passo que as linhas yin ( 陰) representam o receptido, flexível, mas em cada instância yin existe uma parcela yang e em cada instância yang uma parcela yin. A imagem/símbolo tradicional desta complementariedade encontra-se representado no diagrama taiji (太極 ) (☯) . Segundo uma interpretação em geral aceita, a parte inferior de um hexagrama, o trigrama inferior, representaria o aspecto “interior” do sentido representado, enquanto que o trigrama superior, o sentido “exterior”. O Yijing tem atravessado a história da civilização chinesa como um vetor de ação múltipla, o arcabouço de toda a articulação metafísica e posteriormente filosófica de um legado que se extende por milhares de anos. Suas máximas de sabedoria visam a ua tomada de posição diante das situações da vida, ainda que nenhuma atitude deva ser por vezes tomada. Trata-se de um instrumento de aggiornamento da consciência humana, imbuída – e talvez importantente por isso - de certa imanência mágica, de uma inequívoca metafísica que pressupõe uma sincronicidade do momento oracular com os planos do macro, atendendo assim áquela visão holística típica do “Céu Anterior” na qual o Dao do Céu e das “mil coisas” encontram-se sempre dados e permanentes e cabe ao homem compreendê-los, sobretudo intuitivamente, e a eles se adaptar. Portanto, esse extraordinário monumento do mundo chinês, não obstante ter por vezes passado por certo momento de ostracismo por força de certos imperativos ideológicos ( como no caso no período “comunista” da era Mao ), permanece o paradigma maior, o eixo em torno do qual, sob roupagens e abordagens externas diversas, gira a mente chinesa mais profunda em seus arquétipos originais. O Manancial Bibliográfico Um estudo sobre a bibliografia do Yi Jing deveria começar pelo tratamento da questão das próprias versões do “estema” do texto vigente, ou de sua ( metaforicamente alusível ) “editio princips”. Tem-se agora a versão conhecida como mawangdui, já considerada por muitos como a mais importante versão herdada e, para o seu estudo , existem em linguas ocidentais os importantes estudos de Shaughness ( 1996 ) e Wang Donliang (95). Para o estudo das versões tidas como apócrifas consultar Ying Xiong: Taixuan jing. Para o estudo da numerologia e vários importantes aspectos simbólicos do Yi, dispomos do importante estudo de Bent Nielsen: A Companion to Yi Jing Numerology and Cosmology : Chinese Studies of Images and Numbers from Han (...) to Song (…) ( London: Routledge-Curzon 2003). Ainda sobre esses aspectos, existe o interessante estudo de Lars Berglund, aluno de Göran Malkvist, o mais importante sinólogo sueco depois de Bernhard Karlgren: The Secrets of Luo Shu, Numerology in Chinese Art and Architecture. Södra Sandby, Tryckbiten AB, 1990. Para aspectos mais especificamente filosóficos, existe a tradução da conceituada obra de Zhang Dainian, feita por Edmund Ryden e publicada pela Yale University Press, em 2002, sob o título de Key Concepts in Chinese Philosophy. Esta é uma obra indispensável. Traduções A tradução de Richard Wilhelm, assim como a James Legge, ambos sinólogos e missionários, continuam sendo referências clássicas em linguas ocidentais. A tradução de Wilhelm é mais abrangente e cosmológica, enquanto que a de Legge prima mais pelo rigor filológico. No Brasil, a versão de R. Wilhelm foi publicada pela editora Cultrix/Pensamento. Outra tradução muito conceituada no cenário acadêmico do mundo anglo-saxônico é a de John Blodfeld: I Ching: The Book of Change.New York: E. P. Dutton, 1968. Blodfeld reflete nela certas influências marcantemente daoistas e, não menos, algo budistas. Ainda como referências clássicas as traduções francesas de Charles Harlez, Le livre des mutations. Texte primitif traduit du Chinois, nova edição publicada em Paris pela Editions Denoel, 1959. Outra referência clássica da sinologia francesa é a tradução de P. L. F. Philastre Le Yi King ou, Livre des changements de la dynastie des Tsheou. Paris: Ernest Leroux, 1885–1893. Uma tradução mais recente que está se tornando referência obrigatória é a de Richard Lynn: The Classic of Changes ( as interpreted by Wang Bi) : New York: Columbia University Press 1994. Sobre os primeiros impactos do Yi sobre pensadores do século XVII, tais como Leibnitz, existe o estudo de Aiton, E. J. Gorai Kinzô’s Study of Leibniz and the I ching Hexagrams. Annals of Science 38 (1981)., assim como o cursório de Collani, Claudia von: "The First Meeting of the Yijing and the West." Ainda sobre a produção de ascendência jesuítica, existem os Importantes estudos, editados por Jerome Heyndrickx sobre Philippe Couplet, S.J. (1623–1693): The Man Who Brought China to Europe ( Nettetal: Steyler Verlag, 1990), assim como o de Michael, : "Jesuit Figurism, in Thomas H.C. Lee, ed.: China and Europe: Images and Influences in Sixteenth to Eighteenth Centuries. Hong Kong: Hong Kong University Press, 1991. No âmbito de estudos comparativistas, dispomos do ousado e algo heterodoxo Cheng Chung-ying e seu Confucius, Heidegger, and the Philosophy of the I Ching. Philosophy East and West, 37.1 (January, 1987), 51–70. Ainda sobre Heidegger e o Yi, ver: Susan Schoenbohm: Heidegger and Hexagram 2. in Journal of Chinese Philosophy 30.1 (March 2003): 61–79. Uma tentativa com Alfred Whitehead foi feita por Lik, Kuen Tong em The Concept of Time in Whitehead and the I Ching. In Journal of Chinese Philosophy, 1.3-4 (June-September, 1974), 373–93. Outras fontes bibliográficas Para a erudição e estudos sobre o Yi durante a dinastia Qin cabe consultar Benjamin Wai-ming. "I Ching Scholarship in Ch'ing China: A Historical and Comparative Study," Chinese Culture, 37.1 (March, 1996). Uma abordagem mais filosófica é o execelente estudo Hon Tze-Ki Being and Non-Being: A Comparison of the Yijing Commentaries of de Wang Bi ( Hong KongYinda, “Excursions in Sinology, 2002), assim como em Teaching the Book of Changes”( Education About Asia, 2, 2, 1997) O moderno sinólogo francês François Julien apoiou-se no famoso filósofo do final da dinastia Ming, Wang Fuzhi como ponto de partida para seu estudo Yi: Figures de l'immanence: pour une lecture philosophique du Yi King, le classique du changement. Paris: Grasset, 1993. Um estudo clássico russo é o de Iulian Shchutskii. Researches on the I Ching, publicado em inglês pela editora Princeton. Outro estudo pouco conhecido é o de Tat Wei. An Exposition of the I-Ching or Book of Changes. Hong Kong ( Dai Nippon Printing Co., 1977). Para um estudo sobre as influências budistas na hermenêutica do Yi, durante várias dinastias, covém acessar a tese datada de 1976 de Doulass Alan White : Interpretations of the Central Concept of the I-Ching During the Han, Sung and Ming Dynasties. Harvard University: 1976. Para a prática de consulta oracular e visão prevalescente do Yi ao longo da dinastia Zhou existe o interessante estudo de Kidder Smith, Zhouyi Divination from Accounts in the Zuozhuan, publicado no nr. 49: 2 ( 1989) do Harvard Journal of Asiatic Studies. Nessa direção cabe também assinalar Ngo, Van Xuyet em Divination, magie et politique dans la Chine ancienne. Paris: PUF, 1976, assim como Richard Smith, J. Fortune-tellers and Philosophers: Divination in Traditional Chinese Society. Boulder, Colorado and Oxford, England: Westview Press, 1991. Para o período de plena ascenção dao jiao, Daoismo religioso, ou seja, a partir dos Han até o início dos Tang, existe o importante estudo de Kenneth De Woskin: Doctors, Diviners and Magicians of Ancient China. New York: Columbia University Press. 1983.